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domingo, 4 de dezembro de 2011

O desbravador do "oceano"


Jaú teve inúmeras figuras históricas. Uma a uma, cada um contribuiu para transformar a cidade no município próspero e amado que é hoje. Mas, de todos os filhos de Jaú, um se destacou mais do que todos os outros: João Ribeiro de Barros.

Era começo do século quando o futuro comandante João nasceu na propriedade de sua família no dia 04 de abril de 1900.

Neto de um dos fundadores da cidade, ele tinha nas veias o sangue de um desbravador do desconhecido. A paixão pela aviação veio de seu pai, que o apresentou a um amigo pessoal de Alberto Santos-Dummont, o primeiro brasileiro a ganhar os ares à bordo de um avião.

Essa vontade em fazer algo diferente foi o norte da vida do pequeno João. Embora tenha começado seus estudos em Jaú, era comum os filhos de famílias conservadoras partirem para a capital. Sendo assim, iniciou seus estudos no Instituto de Ciências e Letras, além de cursar dois anos de Estudos Jurídicos e Sociais na Universidade de São Paulo. Isso até perceber que seu caminho o levaria para lugares bem mais distantes do que mesas de tribunais.

Desistindo do Direito, ele vai para os Estados Unidos aprender Engenharia Mecânica e depois segue para a França, onde tira o brevet de número 88 na “Ligue Internationale des Aviateurs”, no dia 21 de fevereiro de 1923. Com sua licença para voar, ele segue para a Alemanha onde aprende acrobacias aéreas.


O pontapé inicial

Em 1922, quando Portugal convoca dois de seus mais hábeis pilotos para rumarem ao Brasil, em comemoração ao centenário de Independência Brasileira, Gago Coutinho e Sacadura Cabral utilizam no trajeto três hidroaviões com os nomes das antigas caravelas a chegarem ao país cem anos antes, Luzitânia, Santa Maria I e Santa Maria 2.

Os pilotos portugueses contavam com o apoio de vários navios ao longo do percurso, já que não era possível que um hidroavião chegasse ao outro lado do Atlântico sem ajuda marítima.

O acontecimento despertou em João Ribeiro de Barros a vontade de tentar algo novo: ele queria ser o primeiro a completar o trajeto sem contar com ajudas externas. Para ele, o avião deveria ser capaz de funcionar sozinho, tendo uma completa autonomia.

Entre os países europeus, como Portugal, França, Espanha, Inglaterra e Alemanha, era comum a promoção de reides pelo governo. João achou que poderia contar com ajuda do então Presidente da República, Washington Luís. Mas ele disse que o governo não colaboraria, e o mandou desistir.

Decepcionado, mas, não vencido. Ele vendeu sua herança para seus irmãos e segue para São Paulo, onde entra em contato com Luchini, representante da fábrica italiana Savóia Marcheti. Contou que estava interessado em adquirir um hidroavião. Porém, tudo o que ele consegue é um avião danificado, que havia sido posto à prova no mesmo trajeto e fracassado logo no início do trajeto.

Ele sabia que precisaria de muita ajuda, por isso contrata o mecânico Vasco Cinqüini por meio do anúncio de jornal. Então, rumam para Nova Iorque, onde estudariam o percurso com o português Gago Coutinho.

Tempos depois, João e Vasco chegam a Europa para restaurar o hidroavião, retirando dele tudo que era julgado desnecessário, como o rádio de comunicação. Cada peça retirada dava espaço a mais combustível que deveria aumentar a autonomia do “Jahú”. Porém, os italianos, vendedores do avião defeituoso, não se conformaram com a ideia de perder o lugar na história para um brasileiro, e começaram a criar um avião com as mesmas modificações feitas pela dupla.

Não demorou para que o navegador Newton Braga e o segundo piloto Arthur Cunha fizessem parte da empreitada. E o hidroavião levantaria voo em 18 de outubro de 1926.


A traição que prejudicou o voo

O hidroavião decola de Gênova, em meio a aclamação popular. Porém, seus tripulantes descobririam que havia sabão caseiro, terra e água nos tanques de combustível somente quando estivam no ar. Além de um pedaço de bronze, colocado no fundo do cárter do motor traseiro. Esses fatores fizeram com que o hidroavião fizesse um pouso forçado na ilha Alicante, onde autoridades espanholas os impediriam de prosseguir.

Após a embaixada brasileira em Madri intervir, os tripulantes são soltos para prosseguir viagem. Porém, duas horas depois, outro pouso de emergência, desta vez em Gibraltar, para a substituição do combustível.
Eles voltam ao ar, mas a bomba de gasolina deixa de funcionar novamente, o que os obriga a usar uma bomba manual, conseguindo a muito custo descer em Porto Praia, no arquipélago do Cabo Verde.

De todas as paradas de emergência, esta foi a pior, pois João, Vasco e Newton são traídos por Arthur. Isso os obrigou a fazer reparos em todo o avião. O comandante chegou a pensar em desistir e, então, enviou uma carta para sua mãe, Margarida. Ela, no entanto, o apoia e pede para que continue, pois todos os brasileiros estão torcendo por ele. Como o avião não poderia ser pilotado por uma única pessoa, a família de João Ribeiro consegue que o Capitão João Negrão vá até Porto Praia para ocupar o lugar de Arthur Cunha.

Em 28 de abril, às 4 horas da manhã, o “Jahú” levanta voo novamente, atingindo 190 km/h, um recorde que só seria batido 10 anos depois. Seus tripulantes passaram por várias situações climáticas desfavoráveis, mas, dentro do hidroavião a esperança era o que os fazia seguir em frente. Chegaram em Fernando de Noronha às 5 horas da tarde, com alguns equipamentos apresentando defeitos.

O hidroavião foi desmontado para ser enviado a São Paulo, mas isso não apaga de toda a trajetória desses brasileiros, que enfrentaram de tudo, até a traição, para realizar um sonho que se tornaria algo tão banal nos dias atuais: a travessia do oceano Atlântico a bordo de um avião, sem auxilio de navios.


A vida pós travessia

João Ribeiro de Barros não teve filhos, mas seu legado repercute até hoje. Um de seus sobrinhos, o aposentado José Ribeiro de Barros Filho, de 73 anos, morou junto com João Ribeiro por quase 10 anos e conta que ainda guarda as lembranças. “Eu recordo perfeitamente dos passeios que dava com ele. Lembro de quando ele me levou no Museu do Ipiranga para ver o avião [Jahú]”.

Mais do que uma simples travessia, o feito do aviador jauense se tornou um marco histórico. “A atenção do mundo inteiro se voltou estupefata para esse longínquo país [Brasil], que passou a competir com as maiores nações numa área de tamanha importância”, comenta José.

Inspirado pelo filho Eduardo Ribeiro de Barros, José decidiu escrever um livro exclusivo narrando toda a trajetória de João Ribeiro, para manter viva a lembrança do tio. Ele conta que a obra tem mais de 300 páginas e inclui quase 800 fotos inéditas. “É tudo sobre ele, são histórias que nunca ninguém ouviu”, conta José. O livro já foi aprovado pela Lei Rouanet, e agora José aguarda a contribuição de empresas para tornar o projeto uma realidade.

Mas qual será a emoção de ser familiar desta personalidade tão ilustre? Orgulhoso, José conta. “Para mim realmente é uma honra, a história dele é uma das mais bonitas. Ele voou sem apoio numa época em que havia uma competição danada para ver quem conseguiria atravessar o Atlântico primeiro, e teve sucesso. É um herói”, exclama emocionado.

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